Por mais que seja um tema em constante debate, ainda há muita resistência ao acolher a maternidade na prática
Julia Ades atua na área de Pesquisa de Comportamento há mais de 12 anos e é sócia fundadora e Head de Conteúdo e Análise da APOEMA
Ser mãe e ter uma carreira não é algo simples – muito por conta da própria maternidade, que carrega imensos desafios, mas também por outro fator relevante nesta equação: a falta de preparo e empatia do ambiente corporativo.
De acordo com um estudo recente da Fundação Getúlio Vargas, quase metade das mulheres que usa a licença maternidade se afasta do mercado de trabalho após 24 meses – uma tendência que pode se manter até aproximadamente 47 meses depois. Além disso, das 247 mil mães ouvidas pela pesquisa, 50% passaram pela demissão após cerca de dois anos de usufruto da licença.
Esse cenário nos leva a questionamentos: as empresas entendem o que é o puerpério e conseguem dar as mãos para as mães? Essas profissionais são, de fato, acolhidas quando precisam sair mais cedo para buscar seus filhos? São compreendidas quando estão exaustas e pedem um dia a mais de prazo? O ambiente corporativo consegue, de fato, escutar essas mulheres?
Por mais que seja um tema em constante debate, ainda há muita resistência ao acolher a maternidade na prática. Já ouvi, em muitos dos estudos que conduzi, mães relatando sentimentos de solidão e deslocamento dentro do universo corporativo, especialmente quando são as únicas ali dentro. Olhares tortos, julgamentos e comentários inapropriados fazem parte de suas rotinas.
Ao viver essa realidade, benefícios como salas de amamentação, auxílio creche e kit de boas-vindas para o bebê perdem muito do seu significado quando são apenas vantagens vazias, que não conversam com a forma como a empresa acolhe aquela mulher.
É preciso olhar para a maternidade no ambiente corporativo com uma visão 360
Quando uma mulher se torna mãe, suas prioridades são realocadas – o que antes era importante para ela perde lugar para seu foco principal: o filho. Isso é um processo natural e não há como lutar contra.
Nesse sentido, a maternidade precisa ser, antes de tudo, mais estudada, compreendida e discutida. Uma visão 360º sobre o tema, que integra as diversas esferas desse contexto, é essencial para abrir espaço para as mães e, assim, compreender que a maternidade não é um impeditivo para o crescimento profissional.
Com isso, é preciso entender que adaptações terão de ser feitas para que uma empresa possa continuar contando com o bom desempenho daquela pessoa. E o cuidado com a maternidade não é apenas uma questão de humanização, mas um aspecto fundamental quando se pensa em consolidar e reter times. Quanto menos as pessoas forem vistas, menos vontade elas terão de se manter nesse lugar.
O acolhimento começa na prática, e não na teoria
Um filho não tira o talento de uma mulher – pelo contrário. Vemos muitas delas animadas para voltar ao trabalho e ir, aos poucos, reconstruindo sua identidade. Sentem-se empolgadas para os novos desafios e enxergam uma possibilidade de se reconectarem com aquilo que são.
O desafio é que, nesse cenário, apesar de a liderança ter um papel muito importante, dificilmente vemos um planejamento de adaptação e acolhimento dessa mãe – ela simplesmente volta ao trabalho como se nada tivesse acontecido.
É aí que entra a abertura de espaço para que essas mulheres possam, a partir do acolhimento, mostrar seu poder no ambiente corporativo. E a empresa pode colocar isso em prática de algumas maneiras:
Flexibilidade: a flexibilidade de horários é, sem dúvida, uma das formas de acolher uma mãe. Poder sair um pouco mais cedo, entrar um pouco mais tarde, bloquear um ou outro horário na agenda, por exemplo, são ações que ajudam a tornar possível conciliar suas demandas pessoais e profissionais e, assim, aumentar a dedicação às atividades. Talvez ela precise sair às 16h para buscar seu filho, mas estará às 20h fazendo aquilo que precisa no trabalho. Flexibilidade, para mulheres que se tornaram mães, ao menos por algum tempo, pode ser uma grande aliada da saúde mental e do desenvolvimento na carreira.
Empatia na prática: quando uma mulher se torna mãe e volta ao trabalho é natural que esteja extremamente cansada, com menos energia, mas, ainda assim, pode estar feliz em voltar. Isso quer dizer que, por um período, é preciso pensar no retorno: como remanejar seu escopo? Como fazer com que, aos poucos, ela se adapte novamente? Como aliviar a sobrecarga dessa profissional para que ela consiga focar no que é mais importante? Como aproveitar seu desempenho da melhor forma e não esgotá-la ainda mais? Como ajudá-la emocionalmente para que ela se sinta bem? Essas são perguntas que devem ser feitas pelas empresas.
Liderança presente e feminina: as mães só podem ser incluídas se forem bem recebidas por sua própria liderança. Nesse intuito, as empresas devem apostar em mais líderes mulheres que tenham filhos, em conteúdos sobre maternidade e treinamentos com a liderança para que pensem em ações que considerem seus retornos e permanência na empresa. É preciso falar sobre a adaptação, realizar follow ups para entender como elas têm se sentido e o que tem que ser adaptado. Também fazem parte da humanização da liderança as conversas sobre as famílias: perguntar como estão os filhos, incentivar que possam buscá-los na escola, entender como, afinal, essas mães estão se sentindo naquele ambiente – não há como ignorar temas tão presentes na vida dos colaboradores.
Trabalho remoto: isso não quer dizer que o home office é algo simples para as mães que, muitas vezes, acabam trabalhando até mais do que no modelo presencial. Mas, nesse formato, podem parar para ajudar o filho, amamentar ou até mesmo tirar um rápido cochilo se estiverem exaustas. Estar em casa, dependendo do contexto social e familiar, pode permitir maior flexibilidade para manejarem seu dia como conseguem e, assim, focar no trabalho a partir disso.
Garantia de crescimento: uma pessoa que já se destacava, muito provavelmente continuará tendo um bom desempenho depois de ser mãe – a partir das adaptações necessárias, as empresas devem encorajá-las e garantir suas posições, promoções e, principalmente, confiar nessas mulheres. Não há nada que motive mais do que a confiança. Aqui, a liderança também é essencial: é preciso conversar, ter um plano, se dedicar àquela mulher e lembrar essa profissional que ela é competente no que faz.
Todo esse panorama nos leva a entender que o universo corporativo precisa escutar mais essas mulheres, compreender o que sentem e o que precisam, sem supor, imaginar ou agir a partir de hipóteses. A escuta é prática, é algo simples, mas muito poderoso. Se uma empresa der as mãos para uma mãe, ela irá segurar.
Fonte: Mundo RH